Como Virei um Popper Profissional aos 16 Anos

Imagine isso: um moleque de 16 anos se tornando dançarino profissional. Parece loucura, né? Mas aconteceu comigo. E tudo por causa de uma companhia que mudou o jogo: os Discípulos do Ritmo.

Vou direto ao ponto: como me tornei profissional? Fui convidado para a companhia. Boom. Pronto. Pode parar de ler aqui se só queria saber disso.

Mas se você quer entender como diabos existia uma companhia brasileira pagando dançarinos de street dance em 2004, aí a coisa fica interessante.

Porque essa história começa muito antes de mim, com um cara que teve uma visão maluca e decidiu torná-la realidade.


Discipulos do Ritmo na abertura do Red Bull BC One 2006

Como Frank Ejara virou profissional aos 27

Final dos anos 90.

Na real, Frank já tinha provado o gostinho de ser profissional. Em 1992, logo que chegou em São Paulo, rolou no DMC Tour – primeira companhia profissional de street dance do Brasil.

Puma, BASF como patrocinadores, salário pra dançar. Durou menos de um ano, mas ele viveu isso.

Só que era diferente. O DMC era mais showcase: pega o que você já faz e coloca em cena. Algumas sequências, uns moves, mas sem conceito maior.

Era o “breakdance” que ele já conhecia, só que num palco.

Por isso quando Frank viu o Ghettoriginal anos depois, a ficha caiu. Aquilo não era só dança no palco. Era storytelling, conceito, arte criada especificamente pra cena. A diferença entre fazer um trabalho e criar arte.

Frank Ejara estava numa transição louca: saindo de engenheiro de áudio pra virar professor de dança. Rodava São Paulo tentando 40 academias, conseguiu 7 ou 8. Ensinava uma mistura que ele mesmo chamava de breakdance ou break aéreo com passinhos de funk/soul. Não tinha método, não sabia das categorias formais. Era mais intuição do que técnica.

Aí que ele vai assistir uma parada que mudou tudo: o Ghettoriginal não era qualquer show. Era uma crew americana que trazia as lendas vivas da dança urbana pros palcos.

Ken Swift, Flo Master, Wiggles… Os pioneiros do hip hop, do locking, do popping, todos ali contando a história com seus corpos.

Mas o que pegou Frank não foram os nomes. Foi o conceito. Aquilo não era batalha de rua. Era como se alguém pegasse a energia bruta da rua e transformasse em poesia visual, com começo, meio e fim.



O ângulo artístico

Frank pensou: “Por que não aqui?”. Em 1999, saiu de uma participação que fazia na Style Crew e fundou os Discípulos do Ritmo. Mas olha só a mentalidade da época: ninguém imaginava que poderia ser profissional.

O cara juntou galera aos domingos porque todo mundo trabalhava trabalhos “normais” na semana. Ensaiavam no Clube Cisplatina, onde Frank dava aula.

O negócio era puro experimento artístico. Sem norte, sem garantia, sem status. Só pela paixão. Pra ver no que ia dar.

E o primeiro projeto? “A Raiz e o Fruto” – um espetáculo que começaram a montar em 2000. Frank era perfeccionista demais, adiava a estreia toda vez que aprendia algo novo. Cada conhecimento que chegava, ele pensava: “Não, ainda não tá pronto”.

Mas enquanto isso, algo estava rolando nos bastidores.

Profissionalismo brotando

2000-2001: Os Discípulos participam de “À Margem dos Trilhos”, do Ballet Stagium. Pedro Brown, que era da companhia, indicou o grupo.

Foi aí que Frank entendeu o que precisava saber sobre produção, sobre como vender um espetáculo, sobre os bastidores que a gente não vê.

A parte artística ele já tinha. A parte comercial? Aprendeu ali na prática.

Aí vem 2001 e uma oportunidade bate na porta. Os Gêmeos indicam os Discípulos pra um projeto no Instituto Goethe.

Um coreógrafo alemão, Storm, tava procurando algum grupo que manjasse de locking, popping e breaking pra trabalhar junto.


A especialidade de Storm: criar espetáculos de danças urbanas potentes. Seus trabalhos no palco eram à frente do seu tempo!

Frank mandou um VHS. Storm aprovou.

Em apenas três semanas, Storm montou “Tá Limpo!” com os Discípulos – a história de faxineiros que sonham em viver da dança, usando elementos de limpeza na coreografia.

Storm ficou maravilhado com a facilidade do processo!

Resultado? Convite imediato pra trabalhar com ele na Argentina, uma semana depois.



Ali começou tudo: Agência internacional, turnês pela Europa. Um degrau a mais na profissionalização.

Mal cheguei e já fui ensaiar

E aí que eu entro, em 2003. Comecei a fazer aula com Frank no Cisplatina. Popping, locking… eu estava obcecado. Em um ano – só um ano! – fui convidado pra companhia. Meu primeiro show foi “Urbanoides”, em 2004.

Sabe o que isso significou?

  1. Nada de correr atrás de fama em batalhas pra ganhar uns trocados
  2. Tchau pra competições de festival por prestígio
  3. Foco total em me tornar um profissional de verdade

E ainda tirava um din pra ir em eventos no meu tempo livre. Ainda estava na escola!



Só sorte?

Olha, vou ser honesto: teve sorte envolvida na minha história. Mas não foi a sorte que você imagina.

Eu não recebi o convite por sorte. Recebi porque me empenhei.

A sorte foi ter conhecido o Frank antes de outros diretores de grupos competitivos.

Porque eu poderia ter ido parar primeiro, com o mesmo empenho, em grupos grandes e reputados que focavam em competições não-remuneradas.

É igual à história do próprio Frank com o Storm. Os Gêmeos indicaram, ok, teve “sorte”. Mas quando o Instituto Goethe pediu o VHS, Frank tinha material pronto.

Quando Storm quis trabalhar com quem manjasse das três danças, os Discípulos estavam preparados.

“Fazer o que fizemos com ‘Tá Limpo’ em 3 semanas deixou o Storm maravilhado”, Frank me contou. Não foi sorte. Foi preparação encontrando oportunidade.

Aprendi fazendo

Entrar nos Discípulos foi como pular numa máquina do tempo pro futuro da dança urbana. Ali, dança não era hobby. Era negócio sério.

O que aprendi?

  • Como empacotar arte de rua pra vender como show profissional
  • A diferença entre ser “famoso” e ser “pago”
  • Que dançar bem é só o começo. Precisa saber de produção, de montar um trabalho completo

Frank tinha criado algo único: uma via profissional alternativa às batalhas e competições.

E essa mentalidade moldou tudo que fiz depois. Meus grupos – Funk Fanáticos e D-Efeitos – seguiram essa filosofia.


O que se tira disso

  1. Existem outros caminhos além das batalhas e competições
  2. Profissionalismo na dança urbana é possível – e já era possível há 20 anos
  3. Preparação atrai oportunidade – “sorte” é estar pronto quando a chance aparece

Frank pegou um sonho “impossível” (viver de dança urbana no Brasil) e tornou realidade.

Começou como experimento artístico aos domingos, virou uma das primeiras companhias profissionais de street dance do país.

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