A lição de dança mais importante da minha vida não aconteceu numa sala de aula.
Tudo começou por acidente.
Final dos anos 90. Corredores de escola. Pátios barulhentos. Muito antes de eu saber o que diabos era “popping”.
Na verdade, a gente não fazia a menor ideia do que estava fazendo, mas estávamos fazendo. E isso era tudo o que importava.
Nossa escola era um laboratório. Um caldeirão. Nos intervalos, nos domingos, sempre tinha alguém dançando. A gente chamava de “break” ou “break aéreo”.
Já estava tudo lá
Estava tudo errado, claro.
Mas era um erro incrível de se ver. Uma mistureba. Movimentos de robô. Slides que pareciam flutuar. Ondas que quebravam no meio do corpo. A gente chamava de “onda quebrada”. Hoje chamo de *tick wave*. Engraçado que os nomes são diferentes, mas têm o mesmo espírito.
Na época, nada disso importava. Era só magia.
É incrível pensar como essa dança já era “da moda” em nossa escola, influenciada por filmes como “Breakin'” e outras peças da mídia estrangeira, que traziam a dança de rua para cá.
E a gente misturava tudo o que via, na mídia ou ao vivo. Footwork. Moinhos de vento. Até mortais. Um caos criativo. Não fazíamos idéias de que estávamos praticando uma fusão de estilos que incluía as danças americanas breaking, popping, waving, slides e outras.


Créditos: Página de Facebook da escola.
Sem perceber, estávamos no meio de um fenômeno global.
Mas aqui está o ponto crucial.
Não havia professores. Não havia tutoriais. Não havia ninguém pra te dizer “faça assim”.
O aprendizado era brutal. Era por observação. E por roubo. Você via algo, ia pra casa e se quebrava até conseguir.
A melhor aula
Lembro disso como se fosse ontem. Eu devia ter uns 12 ou 13 anos. Tomei coragem e pedi pra um colega: “Me ensina aquele movimento?”
Sua resposta foi direta: “Não vou te ensinar, não vou pegar na sua mãozinha”. O máximo que ele fez uma demonstração lenta do tick wave, a onda quebrada, uma única vez e dizendo: “É isso aí, é assim que faz”.
E foi embora.
Aquela foi a melhor aula que eu já tive!
Entende o que ele me deu? Ele não me deu o movimento. Ele me deu a responsabilidade. A obrigação de conquistar aquilo sozinho.
Fui pra casa com aquela imagem queimando na minha mente. Treinei por horas. Dias. Sem um espelho, só com a memória. Até conseguir!
Autonomia. Perseverança. Aprendi a filosofia de “afunde ou nade” da dança de rua ali.

Como alguém que trabalha com aulas e treinamentos de popping hoje, eu não deveria dizer o que vou dizer a seguir.
Hoje vejo gente obcecada por aulas ou por um passo a passo perfeito. Querem que alguém pegue na mãozinha deles? Não estão perdendo a parte mais importante?
A transformação. A descoberta. Aquele momento em que você finalmente consegue, e o movimento não é mais algo que você aprendeu. É seu!
Mesmo com a facilidade que as aulas trazem hoje, essa parte ainda precisa acontecer!
Toda a cultura do popping — a atitude, o vocabulário, a resiliência — já estava lá, naqueles corredores de escola. Sem nome. Sem rótulo. Apenas a verdade crua. E só por isso, depois, cada aula que fiz me ajudou.
